sábado, 29 de novembro de 2008



Mesa posta.

Em outra noite fria. Estrelas desfalecidas. Horas mortas.
Relógio sem ponteiros no pulso sem pulso, descompasso perplexo.
A lua fez teto na mesma sala sem portas.
Candelabros como escombros descalabros pendurados; veladas lembranças, sinistros sinais alumbrados.
Sentei-me à mesa a seu lado, após tantos convites postergados.
Assentado e sentindo o desconforto dessa cadeira de espaldar alto, em desamparo me percebo pequeno e descalço, totalmente despido do espírito fausto tão ansiado.
Anfitriã solícita e pródiga; minha taça vazia transborda de seus favores, sua cicuta.
Há notas de profundo silêncio preenchendo o ambiente. Minimalista é a mobília. Sem detalhes que lhe denotem a presença, e, mesmo pode ser sentida, em cada canto, sua ausência, nesse encontro a luz de velas em noturnas vigílias de rogos inauditos.
O perfume de exílio vem do vaso vazio de flores enlutadas, e o cartão em branco extático.
Prateleiras de molduras sem retratos, espelhos sem reflexos. O tempo ali pendia em pregos cravados nos tijolos. Nas paredes, quadros pintados sem cores põem cinzas em meus olhos.
Oníricas paisagens, ruínas de vidas esquecidas. A toalha de rendas, tramadas marcas de suor e de amor, esconde por baixo um precipício de lembranças gastas. No espelho opaco a minha frente, a deusa sem rosto me sorri enigmática. Dentro da história, minha e tua, toda caminhada sem rumo certo e tudo volta sempre a essa mesa, que me prepara ciosa. Comensal habitual, comigo carrego a fome que nunca sacio. A mesa posta é vasta.
Mesmo tendo vários lugares vagos, previamente desprovidos, ressoa sua voz, anunciado o cardápio que nunca olvido. Me invade o cheiro do banquete, em tudo impregnado. Uma vez mais, o prato fundo posto reflete meu rosto transtornado. E ela me serve a mesma farta porção de tudo; os dissabores que comigo ainda guardo. O desgosto que deixa o travo amargo na garganta árida, dormente, e na boca, gota a gota, me leva o cálice sempre repleto de tinto fel mordente. Trás fogo à minha língua ébria sem alento ou saciedade latente. E tudo que meu paladar cego percebe são as pedras dos caminhos tombados, que não me passam na glote engasgada, em palavras natimortas atiradas.
Minha anfitriã mora em mim hoje, degustando lenta minha paz. Respirando o mesmo fôlego sôfrego na alma sem ar. Anda comigo pela casa, pelas ruas, pelo tempo afora.
Não me deixa só à mesa, à cama ou pela vida, nunca mais. Segue meus passos, preenche meus espaços e cuida de mim com especial atenção.

A vejo a toda hora, a sinto em todo lugar, materializada presença.
Já não vivo mais sem ela agora. Ela esta na minha alma cativa. Passeia no meu peito, descansa no meu coração.
Seu semblante abriga meus olhos.
Ela me põe a mesa todo dia, aqui, entre as paredes que me prendem, jogado ao chão. O seu nome dorme em minha boca, amarga e seca e sempre calada. Seu nome é ausência, seu nome é adeus. Ela oferta desalento, desespero e desesperança; sua fria lembrança desfrutada, toda dor e comoção.
Ela nunca vai embora, eu a vejo me servindo agora...

Ela me sorri, eu retribuo. A conheço muito bem...
O silêncio do seu nome ecoa pela sala... Ela se chama Solidão!


Celso

terça-feira, 25 de novembro de 2008



Refletindo...

Sou a mão e a luva
o que me cabe e o que sobra
nada em excesso
as vezes o avesso
as vezes completo em mim mesmo
sou a chuva la fora
e o estio do desejo
a coragem e o medo
a indecisão tomada
sou a metade espelhada
de tudo que vejo
sou teus olhos e tua boca
do outro lado do beijo...

Celso
Inspirado no poema "As vezes estou..." de Claudia Venegas... www.aldeianerudiana.blogspot.com

segunda-feira, 24 de novembro de 2008


Perséfone

Raptei tua atenção, fugazes momentos felizes.
Você iluminou meu mundo; obscuro até então sem teus matizes
Mas tua ausência era sentida, gritos em desespero a te buscar.
Tua inefável natureza cíclica muda tudo a seu redor e em você
E o chamado, inevitável súplica, fez urgência em te levar.
Três sementes de romã ofertei em tua partida.
Primaverou pelo mundo assim;

tuas flores, tuas cores, tua luz a irradiar.
Enquanto o inverno se fez em mim...
O vazio em minha anima dividida,

guardando comigo tua essência em semente;
Aguardando dia a dia esse amanhã...
A chuva regando em meu ser um sim,

que fará o milagre germinar em ti;
E te trazer renovada sempre,

como esse amor plantado em nossas almas unidas
O recomeço de tudo que não conhece um fim...


Celso

terça-feira, 4 de novembro de 2008



Não foi o bastante...

Tudo que tinha a te ofertar
O que me era mais caro
Tudo que queria compartilhar
Que eu sabia ser mais raro
Tudo que poderíamos somar
Que nos seria extraordinário

Não foi o bastante...

Tudo que joguei fora
Tudo que deixei ir embora
Tudo que me faz falta agora
Nossas cores, nossos cheiros
Nosso espaço, nossa hora
Nossa trilha sonora

Borrões sem tom e sem forma
A plástica indiferença inodora
Gritos dissonantes ecoando na alma
No vazio onde um dia, tudo retorna

Tudo não foi o bastante?

Os olhos rasos no descaso
Coração de espinhos coroado
Os lábios secos em fel afogados

O ontem nos deixou o ocaso,
Ou o tempo chegou com absurdo atraso?

E nada mais será o bastante!

Temos uma história por acontecer
E um ponto final é a primeira coisa a fazer...


Celso

sábado, 1 de novembro de 2008



Menino-homem

Você é um sonho de infante
Perdido na memória e tragado no dia a dia
Canção da terra distante
Guardada na história e trancada em agonia

Você é segredo esquecido
Frágil flor que desfalece ao toque do pensamento
Desejo imerecido
Plástica natureza que não conhece o sentimento

Teu olhar transparece vertiginosa distância
Um menino a sonhar agarrando estrelas
Perdido no azul mais profundo
Pontilhado de cristalinas lágrimas
Algo que se perdeu
Sem sequer ter sido um dia, um segundo.

Quimera parar o tempo
Mágico artifício de Pan
Em terra do nunca te sonhar
Fábula surreal
Anjos existem, bem sei;
Inalcançáveis, porém,
Ao mísero mortal afã!

Mesmo assim, teus olhos me preenchem;
Extravasam, transbordam você em mim.
Cabe o mundo nesses olhos?
Cabe todo azul do céu?
Cabe ainda mar?
Cabe o universo!
Onde divino mistério se perde toda razão e sanidade
Num simples olhar?

O poeta é escravo da musa
Que traça seu destino em apenas um verso?
A musa inventou o poeta ou vice-versa?
Que me valem as musas dos versos e das cores
Se és luz!
Que atrai e cega
Prende sem amarras
Sem destino te vais...
Sem amanhãs, sem olhar pra trás.
Se vago ora perdido
Nesse tempo furtivo
Que não me pertence mais...


Celso